GRIS

Jogos para mim, precisam de um contexto, uma história por trás, não necessariamente que precise haver uma narrativa escrita propriamente dita, mas os elementos do jogo devem compor esses elementos. Gris traz isso sem falar uma palavra, e desenvolve uma conversa simples e direta através de seus belíssimos gráficos e gameplay sobre a perda e o sofrimento.

O luto está associado à perda e, claro, o maior exemplo disso é a morte, experimentamos vários tipos de luto ao longo de nossa vida: seja por amor, empregos, oportunidades, etc. Inicialmente, fui atraído pela estética de GRIS. Seu design em aquarela, parece um quadro sendo pintado a cada frame. O jogo segue uma garota sem nome, uma jovem perdida em seu próprio mundo, forçada a lidar com uma experiência dolorosa. Ao longo de sua jornada a dor que ela sente é representada por diversas formas, tanto pelo seu vestido, quanto nos seus poderes e habilidades que a ajudam a navegar pelo mundo do jogo e que contam a triste realidade da protagonista. Como experiência, a protagonista da história, desperta de um sono em um mundo onírico. Ela descansa na mão em concha de uma estátua viva feita de pedra branca ligeiramente rachada e tingida com aquarelas de vermelho, azul e amarelo. Há muitas estátuas em GRIS e cada uma é retratada com algum tom de sofrimento ou dor, elas são vistas em pedaços, e mostrados numa inclinação de olhar amoroso para a protagonista quando ela está em suas mãos. GRIS (nome que adotarei para a protagonista) é literalmente o objeto de sua afeição, e para ela a estátua é seu mundo inteiro. As estátuas representam muitas passagens na vida de GRIS possivelmente um alguém que já não está mais presente. Enquanto a estátua desmorona em ruínas, GRIS cai com ela. A intensidade da dor, a perda da realidade e a jornada que GRIS segue para se recuperar não são mostradas apenas nas cores e na música, mas pela perda repentina de sua voz. GRIS começa cantando, e quando sua voz desaparece, o mundo ao seu redor desmorona.

A perda de sua capacidade de se expressar faz com que sua dor a oprima – algo que ela vinha se segurando, mas agora não podia mais o que faz com que seu mundo começasse a ruir. O luto retratado em GRIS a fez perder a voz, e a história de seu desespero é sobre aprender a lidar num mundo sem ter ninguém por perto. Mas a origem dessa dor é desconhecida para quem está jogando, no caminho percebemos os sentimentos de perda, morte e depressão. A protagonista parece enfrentar as 5 fases do luto, cada uma delas associadas a uma cor: negação (cinza), raiva (vermelho), barganha (verde), depressão (azul), aceitação (amarelo). As paisagens pelas quais Gris percorre é a expressão de seus traumas com alegorias que ressoam os seus sentimentos: um espaço vazio (solidão), um deserto vermelho e seco (raiva), o mar profundo (depressão) e um céu noturno (aceitação). A atmosfera é onírica, íntima e intensa.

Trabalhar temas como depressão não é fácil, pois a muita representação e diferentes problemas envolvidos. Para trabalhar essas perspectivas, o jogo apresenta diversas metáforas e simbolismos. Utilizando, por exemplo, o cenário como recurso, uma paisagem bela e serena pode ser também hostil. O vestido obscurece seus braços e mãos, e suas pernas se projetam da parte inferior como pequenas linhas pretas. Ele cobre seu corpo e deixa apenas a cabeça da protagonista visível. Seu vestido cinza-escuro, simboliza seu estado de espírito e dependendo da necessidade, ela ganha habilidades, por exemplo, a capacidade de transformar seu vestido em um bloco sólido, como se a tristeza e a angústia literalmente pesasse sobre ela e sem o peso dessa dor, ela não teria como superar alguns obstáculos. Ao longo da jornada novas habilidades são aprendidas e delas outras alegorias vão sendo apresentadas para demonstrar o crescimento de cada estágio do trauma.

GRIS, como experiência, não pode ser resumido em um texto – é tudo muito significativo e denso. Tratando sobre as incertezas e ansiedades da vida. A depressão é como um deserto árido, a ansiedade um oceano. Em dias calmos é tranquilo e belo, e o perigo que se escondem abaixo dele ficam ocultos de nossa vista. Em dias de tempestade, somos arrastados para baixo, afundamos num abismo onde nada que conhecemos existe e um mundo estranho e desconhecido nos alcança. Nesta jornada, aparentemente interminável, por territórios desconhecidos e nos mostra que assim como brincar com aquarela é divertido, nos permite experienciar e visualizar potenciais, nos deixar sentir e flutuar nas cores, se expressar, cantar e conforme essa forma de expressão e exploração começa a crescer e fluir, o cinza da lugar a cores, e as cores lhe geram um convite de permitir se perdoar, e isso é o início do recomeçar.